Os 4 elementos fundamentais.

Garantir uma jornada de crescimento não depende só de bons ingredientes.

No meu artigo anterior, falei sobre os passos para que uma empresa garanta sua jornada de crescimento.

Posicionamento claro, conhecimento do consumidor e parcerias de longo prazo são a base para promover o bom desempenho de um negócio hoje, amanhã e depois. Mas hoje, quero mergulhar um pouco mais nesse tema e falar do que precisa estar na mente de quem quer executar bem uma receita para que ela crie um prato saboroso e de sucesso.

A criação de pratos saborosos envolve uma dança delicada entre quatro elementos essenciais: gordura, calor, acidez e sal. Dominar essa arte exige conhecimento, prática e um paladar aguçado. O triste é que muita gente se preocupa apenas em comprar bons ingredientes para uma boa idéia , mas esquece totalmente da técnica para executar o passo a passo.  Parece bem óbvio, não é? Pois é. Por isso me pergunto por que, quando falamos de inovação, tecnologia e marketing, investimos horas nas idéias ( em workshops infinitos  e sessões de design sprint ) mas ninguém investe tempo em identificar se a empresa tem conhecimento para colocar essa idéia em prática.

Em janeiro estive na NRF Big Show, o principal congresso mundial de varejo. A NRF é um evento incrível, mas que sempre precisa ser avaliado com cuidado. Afinal de contas, na feira os expositores querem vender a ideia de que a tecnologia deles é a solução para as suas dores, enquanto as palestras sempre têm algum viés. Deixar a empolgação trancada no cofre do hotel é sempre a melhor opção.

Desta vez, com o tema “Make it Matter” e uma abordagem mais pé no chão, o evento trouxe alguns alertas para quem estava atento para ouvir. E é aí que a coisa fica mais interessante: quando todo mundo te diz que [insira sua buzzword favorita aqui] é revolucionário, disruptivo e vai ser obrigatório para os negócios em 2 anos, poucos se atentam ao que muda o jogo no final do dia: como fazer isso acontecer.

E fazer grandes transformações acontecerem depende muito mais de aprender a combinar a técnica de balancear a gordura, o sal, a acidez e o calor do que apenas tentar misturar bons ingredientes Por isso, é hora de fazer a lição de casa.

Gordura, Calor, Acidez e Sal.

A transformação do varejo nos últimos 5 anos tem sido intensa – mas não para todo mundo. O gap entre quem está tendo um bom desempenho e quem vive problemas sérios é cada vez maior. No mercado americano, o setor tem sido muito resiliente, mantendo um crescimento estável a cada ano independentemente da inflação, dos juros ou da confiança dos consumidores.

O problema é que o desvio-padrão é cada vez maior, alguns crescem muito, outros perdem muito espaço, e na média parece que tudo continua bem. As empresas que têm tido sucesso nos últimos anos, como Walmart, Ulta Beauty ou (para citar exemplos brasileiros) Mercado Livre e Boticário, entenderam o que é necessário para combinar esses quatro elementos que permitem a transformação dos negócios darem um salto.

Gordura.

A gordura é a alma do sabor. Ela realça aromas, texturas e proporciona saciedade. Utilizar a gordura com sabedoria muda o resultado final do seu prato. E quando falamos em transformação digital no varejo a gordura se traduz em dados.

Dados bem manipulados mudam o jogo. Os franceses sabem usar manteiga como ninguém.

Em um varejo cada vez mais digitalizado, empresas crescem ou morrem por causa da qualidade dos seus dados. Por isso, é necessário dar importância total às informações que são coletadas nas mais variadas fontes. E essa dica é tão básica quanto profunda. Manteiga não mata. O que faz mal é margarina.

  • Sem identificar seus clientes no e-commerce e na loja física por uma chave primária ( ou um conjunto delas ) e a mais usada aqui é o número do CPF, você não consegue saber que aquele consumidor é um só. Com isso, acabará fazendo promoções e ofertas que podem atender apenas o “cliente e-commerce” ou só o “cliente loja”, mas nunca o “cliente de verdade”. E o pior: tenho visto uma quantidade significativa de ofertas sendo feitas para quem já comprou o produto. Não dá, né? Ficou gorduroso o prato. Errou.
  • Seu negócio usa uma única base de dados para ter uma visão enriquecida do cliente? Você conhece mesmo os interesses de quem compra de você ?Ou você apenas vende ?
  • Seus dados (nem vou chamar de informações) estão espalhados pela empresa ? Existe uma disputa “silenciosa” de quem é a “culpa” ? Parece que sempre a culpa é do outro departamento e você nunca consegue a paz e a velocidade que o projeto precisa ? Diferentes tipo de gordura podem e devem sim se combinar. Aprender a técnica é fundamental.
  • A base de dados tem campos duplicados ou em branco? Existem problemas de padronização (o mesmo dado com pontos, sem pontos, o nome abreviado e também apresentado completo, etc) Tudo isso cria a famosa base de dados “suja”, que diminui seus resultados, se é que dá algum. Não deixe a gordura queimar, meu amigo.

No início de qualquer projeto de transformação digital que envolva dados (e qual projeto não envolve, hoje em dia?), toda empresa precisa “fazer uma faxina” nas suas informações e olhar para os pontos de contato onde, de forma diária, são gerados dados e mais dados. Recomendo, por sinal, que isso seja parte do dia a dia: os processos, a tecnologia e as pessoas precisam cuidar da limpeza dos dados como se cuida da limpeza da mesa do escritório.

O que nos leva ao segundo ponto…

Calor.

A cultura devora a estratégia no café da manhã, já dizia Peter Drucker. E em qualquer refeição e processo culinário o CALOR transforma os ingredientes e libera os aromas e sabores. Você pode ter planos incríveis de automatizar seu negócio e usar Inteligência Artificial para obter novos insights sobre produtos, clientes e promoções, mas se a cultura da empresa não aceitar isso, e se a sua panela não estiver na temperatura correta, você vai jogar não só a sua receita fora, mas muito dinheiro também.

Por isso, antes de contratar qualquer tecnologia, trabalhe a cultura das equipes para um mundo digital. As informações não podem mais ser do departamento A ou B – são de todos. E aqui tem uma briga de poder que precisa acabar dentro das empresas urgentemente. A cultura, ops, o calor dos corredores, precisa estimular a transparência e a troca de ideias – o que pode ser um choque para gestores baseados em “comando e controle”.

Boas ideias podem vir de todo lugar, e a criação de ideias pode parecer caótica à primeira vista.

Lembre-se que a cultura de qualquer negócio tende a manter o status quo e rejeitar mudanças, pois mudanças incomodam, expõem fragilidades e geram insegurança. Vou repetir porque o que abunda não prejudica: mudanças expõem fragilidades. Calor transforma açúcar em caramelo. Se a liderança da empresa não mostrar claramente que esse será o caminho a seguir, não importa o tamanho dos obstáculos, não importa a sua fome, a cultura acabará implodindo as mudanças e queimando o açúcar. E você tera uma empresa “frágil” porque teve medo de enxergar as fragilidades da mudança.

Mudar a cultura pode doer, mas é totalmente necessário para fazer a transformação acontecer. Aprenda a usar o calor e você mudará o resultado dos pratos mais simples.  E isso vai muito além de criar um ambiente de trabalho sem salas individuais: no dia a dia, é preciso mudar hábitos, processos e padrões mentais para incorporar o digital ao cotidiano.

Acidez.

A acidez equilibra a gordura e traz frescor aos pratos. Mas não é simples de usar. O “sonho grande” é implementar IA para criar campanhas de marketing personalizadas, mas isso não acontece da noite para o dia. Inicie por pequenos projetos, pequenas pitadas de limão, raspas de laranja aqui e ali, simples de implementar, que tragam resultados claros e rápidos. É a tal da “low hanging fruit”: comece pelo que é simples para ir quebrando resistências e encantando com pouco.

Começar pequeno estimula a mudança de cultura. Um projeto pontual que é implementado em duas semanas, traz algum resultado e “não mata ninguém”. O próximo projeto mexe em outra coisa na empresa e os envolvidos percebem que é possível. Daqui a pouco, todo mundo está elogiando o frescor dos seus pratos e o projeto de transformação vai se dando sem traumatizar pela mudança. Mas encantando pelo frescor.

Quando esses pequenos projetos estiverem implementados e fizerem parte do dia a dia, então é possível avançar de fase. Aumentando as apostas já tendo sucessos anteriores para mostrar que é possível, a equipe tende a se desafiar, em vez de se intimidar.

Sal.

Por fim, o sal. Aquilo que realça o sabor e não pode faltar. Mas saber o usar o sal depende de hábito e muita, muita repetição. A jornada de transformação depende de você aprender a repetir e dominar as boas práticas, de novo e de novo. Não basta fazer uma vez – bons hábitos se constroem com o tempo.

Por isso é importante que quem assina o cheque  seja o patrocinador dessa mudança, pois é ele que tem a visão de longo prazo. Se não existe esse suporte dos sócios da empresa, a transformação se perde. Prato sem sal fica manco. Sem graça. Seja o patrocinador do sal. Use, evidentemente, com moderação. Sal em excesso faz mal a saúde.

Essa jornada ficou muito clara nas palestras da NRF Big Show, e foi excelente ouvir varejistas de todos os lugares do mundo relatando exemplos de sucesso na mudança. Sempre com uma visão de médio / longo prazo, sabendo que é preciso percorrer anos em uma direção para mover a empresa com a velocidade necessária. Aprender a dominar a gordura, o calor, a acidez e o sal não é do dia pra noite. Não tenha pressa, porque se tiver muito prato e muito dinheiro vão parar no lixo. Acredite no processo.

Voltando para o nosso Brasil, e agora que o Carnaval graças a deus terminou (comeeeeeeça o ano!), é hora de fazer acontecer. Eu deixo então a pergunta:

O que você está fazendo para que 2024 seja muito mais saboroso que 2023?

Léo del Castillo
Léo del Castillo
"Rápido é o que não volta pra trás." Essa frase ficou no vidro da agência por vários e vários anos. Criar a cultura do pensamento "lean digital" e fazer isso chegar até o chão de fábrica é, ainda hoje, um enorme desafio para as empresas que começam a fazer esse exercício.