Rápido é o que não volta pra trás
Transformação digital não acontece da noite para o dia, e nem é simples. Mas, com foco e determinação, todo mundo consegue chegar lá.
Recentemente, conversava com um amigo meu que é maratonista. Perguntei para ele como era seu treino e, confesso, fiquei cansado só de ouvir. O tal “longão”, que nos períodos pesados de preparação passa dos 30 km, me pareceu uma insanidade. Mas a coisa ficaria pior.
Quando comentei com ele que era uma loucura correr por 3 horas seguidas em um treino, ele me disse que o “longão” poderia ser ainda mais comprido caso ele partisse para uma ultramaratona. Correr 100 km, 150 km em uma prova.
A preparação para isso envolve, no pico, treinos de 4 ou 5 horas, sem contar a dedicação diária à musculação, treinos mais específicos de corrida, alimentação, sono etc. Enquanto voltava para casa, nem pensei em encarar nem 10 km, quanto mais uma maratona. Não é para mim. Mas ficou claro que, para quem define um desafio desses para si mesmo, não se trata da linha de chegada, e sim do processo.
Quem pensa somente em alcançar a meta não consegue focar no trabalho árduo de construir, degrau a degrau, o que é necessário para alcançar o sucesso. Infelizmente, vejo muito isso acontecer no dia a dia dos departamentos de marketing.
Existe uma regra humana imutável: o aprendizado só acontece passo a passo. É impossível pular etapas. Por isso, o processo de evolução é tão importante: precisamos dominar o primeiro degrau para então seguir para o próximo. Os bebês entendem muito bem esse processo quando saem de engatinhar para andar. As crianças entendem que o mundo é uma fonte de aprendizados – e mantêm uma curiosidade infinita para absorver informação.
De alguma forma, deixamos tudo isso de lado quando nos tornamos adultos e passamos a queimar etapas. Mas, da mesma forma como alguém de 7 anos não consegue escrever uma tese de mestrado, precisamos abraçar o processo de aprendizado contínuo e preparar o próximo estágio de nossa capacidade de entender o mundo.
Um excelente exemplo de queimar etapas (e quebrar a cara ao fazer isso) é a transformação digital dos negócios. Adotar Inteligência Artificial para “tentar virar um novo Google” é uma ideia linda e totalmente utópica, especialmente para quem não faz nem o básico. O Google é o ultramaratonista – muitos de nós nem temos um tênis de corrida em casa.
Infelizmente, muitos gestores não entendem (ou esquecem) que a escada se sobe aos poucos. Na ânsia de recuperar o tempo perdido, abrem-se inúmeras frentes em projetos que precisam ser mostrados ao mundo, em vez de cuidar dos alicerces que darão força a esses projetos e farão com que os resultados sejam sustentáveis.
Direção, ordem e alinhamento
A lição de casa da transformação digital não começa na definição do “sonho grande”. O início é muito mais modesto e está relacionado a assuntos bem menos palpitantes, como a definição de uma arquitetura de TI flexível, governança da informação, políticas de ciber segurança e limpeza dos bancos de dados. Haja limpeza.
Quem já encarou essa situação sabe o quanto o desalinhamento de expectativas é chocante e frustrante. A diretoria da empresa, focada em gerar visibilidade para o negócio, abre inúmeras frentes de atuação, dispersa recursos e coloca diferentes times em diferentes projetos, sem uma atuação integrada. Em pouco tempo, o caos passa a imperar. E o que era sonho, vira pesadelo.
Existe uma boa razão para ninguém passar por um terreno esburacado em alta velocidade. O problema é quando o motorista nem percebe onde está se metendo. É o que tenho visto como regra na transformação digital dos negócios, infelizmente. Por isso, quero dar meus centavos de contribuição, com base na experiência prática que temos tido na Hagens e com o que tenho visto em clientes e não-clientes nossos.
Comece pela cultura
Não há plano estratégico nem PPT incrível que resista a um time que não entende para onde precisa caminhar e o motivo para isso. O primeiro degrau da transformação digital dos negócios é a construção de uma cultura digital.
Isso não se faz da noite para o dia, nem se faz comprando software. É preciso dar um sentido para tudo isso, mostrando que o novo jeito de pensar é melhor e não ameaça a sobrevivência das pessoas. Se você obrigar seu vendedor a registrar toda transação no sistema, ele vai encarar como um fardo. Se mostrar que, ao fazer isso, o sistema vai começar a trazer sugestões que vão aumentar as vendas dele, a coisa pode mudar de figura.
Se a empresa impõe uma nova metodologia ou um ERP que complica o jeito como as coisas funcionam hoje, dificilmente será criado um ambiente positivo. Se a discussão de processos e metodologias envolve os inputs de todo mundo, aumenta a chance de sucesso. Enxergar a mesma figura não importa de onde você esteja olhando, faz toda a diferença.
Uma cultura digital é uma cultura de participação de todos, com agilidade, flexibilidade, autonomia e pouca hierarquia. Fazer com que todo mundo se sinta dono de um pedaço da empresa faz toda a diferença.
Construa os alicerces
A cultura do negócio já entendeu que ter um “jeito digital de pensar” é melhor? Então é hora de construir os alicerces da transformação. Estruture a coleta e análise dos dados ( e não existe milagre aqui) , organize as informações já existentes no negócio, crie fluxos otimizados de trabalho, gere benefícios claros dessas mudanças. E acompanhe com frequência.
Nessa construção, é preciso ir devagar para avançar rápido. As decisões são estratégicas e, por isso, devem ser tomadas considerando todos os aspectos do negócio – incluindo (e principalmente) as pessoas envolvidas.
O que os consultores chamam de “change management” é sempre o mais crítico. Comunique o que está mudando, os motivos das alterações e os resultados que estão sendo obtidos. Comemore cada passo. Divida com todos. Deixe todo mundo “na mesma página”.
Comece pequeno, avance rápido
O melhor jeito de quebrar resistências é apresentar bons resultados. E o melhor jeito de conseguir bons resultados é resolver os problemas mais simples – e mostrar que o mundo não caiu porque esses problemas foram resolvidos de uma maneira diferente. Pequenas transformações geram familiaridade, dão a sensação de que é possível voltar atrás se algo der errado e criam segurança. Mais do que isso, pequenas conquistas ajudam a estabelecer a crença.
Mudanças radicais sempre incomodam – é do DNA do ser humano. Então “fatie o elefante”: comece por pequenos projetos que resolvam situações práticas, rapidamente. Uma vez que esses resultados iniciais foram obtidos e a empresa percebeu que ninguém morreu por causa disso, fica muito mais fácil quebrar resistências a transformações maiores.
Alinhe cada passo
Esse é um grande problema nas empresas. É comum que iniciativas diferentes sejam tocadas por áreas diferentes, sem coordenação e às vezes competindo em recursos. Se isso acontecer, volte duas casas e combine o jogo desde a alta diretoria.
Outro ponto importante é não ter expectativas irreais. Não adianta cobrar integral e diferencial de quem só sabe fazer conta de somar. Vejo muita gente querendo discutir ou fazer estratégias complexas de transformação digital sem ter uma cultura digital ou ter cuidado da estrutura de tecnologia da empresa.
Quando isso acontece, é dinheiro, tempo e esforço jogado fora.
Quando esse passo a passo é implementado e cada bom resultado é replicado em toda a empresa, cria-se um ciclo em que as mudanças passam a ser vistas como positivas e desejadas. A partir daí, a cultura do negócio se apaixona pelo processo e não pelo resultado. Como o meu amigo maratonista, a empresa avança constantemente, passo a passo, ganhando força e musculatura para abraçar desafios cada vez maiores.
E você? Está focando em desenvolver habilidades, competências e cultura?
Ou só quer o resultado?